Era um cara engraçado, de palavras afiadas. Frequentemente era citado por outros, e quando ocorria, ele sorria como se suas próprias palavras fossem um absurdo. O absurdo era que não sabia não ser assim. E morria por dentro, cada vez que riam de suas palavras, de suas atitudes, de seus gestos. morria um pouquinho por dia, como todos nós, mas sofria um bocado a mais.
Por dentro era oco, tudo o que tinha não era de fato seu, era crédito de sua incrível capacidade de fazê-los rir. O mundo inteiro ria. Ele sorria e balançava a cabeça: "que absurdo...". Sorria por fora, morria por dentro.
Tinha um cargo alto numa multimilionária multinacional, conquistara a simpatia da diretoria.
Tinha uma esposa-troféu, a mulher mais inteligente que já conheci em minha vida, com olhos brilhantes e um perfume natural que despertava memórias distantes de lugares esquecidos ou nunca vistos e ficava na pele da gente quando a cumprimentávamos.
Conhecera-a numa festa de aniversário de um amigo em comum, dizem que o primeiro passo é fazer a garota rir, deu certo pra ele.
Ele fitava de sua gigantesca janela o pôr-do-sol, lamentando todas as outras vidas que poderia ter e não teve, tomava um gole de café, cuja cor preenchia suas vísceras, suas artérias, seu coração, sua alma.
Fitava a linha do horizonte cada vez mais invisível com o cinza do escarro dos automóveis e o fosco das vidraças que escondiam as grandes e pequenas empresas.
Fitava a entrada do formigueiro humano que era a estação de trem subterrânea às seis horas da tarde.
Queria chorar, mas não sabia, queria gritar, mas o decoro que aprendemos desde a infância não o permitiria.
Simplesmente pensou, então. Deixou que aquela exorbitância de imagens, sons e palavras desconexos se alastrasse por sua mente, esperando ocupar-se de algo. Inundou a mente para aliviar o vazio da alma.
As palavras da professora de Estudos Socias na segunda série, e como era o nome dela mesmo?, sua irmã chorando por um brinquedo quebrado, aquele coelho tinha as orelhas azuis, aonde foram parar meus heróis de infancia?, quem dirigia aquele carro amarelo?, meu pai tinha uma carteira macia de couro, o cheiro de couro, o gosto de ferro, o chão vermelho.
Deixou uma nota um bocado bem-humorada em cima de sua mesa e partiu.
Nunca encontrou a resposta ao vazio, nunca o preencheu, nem com a maior tempestade de idéias que foi capaz de atingir. Não deixou de fazer rir, nem tentou.
Deu-se por vencido. Escravo do riso.
De algum Deus sádico e de um humor imperdoável.
Vivia uma ironia, característica fatal da condição humana.
Tudo o que tinha era graças ao que nunca teve sinceramente, o riso.
verdadeinventadaminha